Verão Azul

Por Marco Mendes

Texto de exposição, Galeria Artadentro, Maio de 2005.



O trabalho de Arlindo Silva passou pelas crises necessárias até chegar ao que é hoje, um método de representação de problemas e questões que o cercam, quer no plano afectivo quer no plano artístico/intelectual.
Ao retratar-se a si mesmo e aos que o rodeiam na sua intimidade, de forma pretensamente crua e despida de preconceitos, o Arlindo atinge aquilo a que se poderia chamar a "sua verdade". Uma verdade construída, primeiro pelos actores das cenas que dão origem aos quadros, depois por ele próprio, no momento em que selecciona, sequência e recompõe as fotografias que tirou.
Para um estranho que vê uma exposição sua, poderá parecer opressivo entrar num ambiente em que os comportamentos, a linguagem e os códigos, foram sendo subvertidos ao longo do tempo, por um grupo restrito de pessoas que se relacionam entre si, sem que se note da parte delas um esforço para encontrar um "tom comum de diálogo". Isto advém do carácter genuíno da sua pintura, que não pretente estilizar seja o que for, mas sim documentar com profundidade experiências intensas vividas com os seus amigos. As poses são sempre captadas sem pré-aviso, pela máquina fotográfica e denotam se não um estado de inconsciência ou embriaguez, pelo menos de indiferença sobre o olhar do outro. A familiaridade com o artista impede-os de se sentirem intimidados pela sua presença, permitindo ao Arlindo retratá-los sem quaisquer máscaras, como é o seu objectivo.
Por vezes são as próprias personagens dos quadros que interpelam o observador, numa atitude desarmante, pela sua proximidade e ar cúmplice. Exigem da parte deste precisamente aquilo que não estão dispostas a abdicar, um tipo de honestidade e comprometimento, que as domina ao ponto de fazer cair no ridículo. O que se pensa de alguém que compra uma tela do Arlindo e a põe na parede da sua sala? Uma tela que poderá representar o mais puro deboche, o retrato do Miguel, ou a situação mais banal do mundo, o da Sónia, em que esta aparece como que a dar um jeito aos lábios, numa expressão facial tão indefinida, que eu nunca a vi representada em pintura (quanto mais de um modo tão realista)? Pensa-se primeiro que houve uma empatia, quiçá uma identificação não só com o tema tratado, como com a forma como ele foi tratado. Comprar um quadro do Arlindo é entrar para o seu círculo de amigos, donde resulta (e aqui vou fazer uma inconfidência) alguma relutância em os vender. Mais tarde eles aparecerão de novo, reproduzidos em revistas ou fanzines em que participa juntamente com alguns dos amigos retratados, também artistas, prolongando e dando sentido a uma espécie de identidade de grupo, que tem feito crescer muitas ideias e projectos artísticos.
Esta exposição é o fruto de umas férias do Algarve e a costa Alentejana, que culminou numa grande noitada na Figueira da Foz, em casa do André, em 2004. Daí resultou o meu retrato, a boiar na piscina. Era o fim de um Agosto perfeito, cheio de mar e sol, antes de o Arlindo e a Sónia rumarem a norte, até ao Porto, onde vivem e trabalham. A beleza dos quadros sublima toda a nostalgia provocada por tais lembranças, ao mesmo tempo que as torna ícones de um tempo que passou. São todos quadros nocturnos e sente-se o calor, a despreocupação e ligeireza que dão magia às noites de Verão...