Por Sandra Vieira Jürgens
Revista L+ Artes n.º20, Janeiro 2006
Revista L+ Artes n.º20, Janeiro 2006
Arlindo Silva é
pintor. É certo que o uso da expressão "pintor" poderá considerar-se
um anacronismo, sobretudo atendendo ao facto de a pintura ter estado durante
longos anos separada da arte contemporânea. Com efeito, na década de 90, o vídeo
e a fotografia obtiveram maior visibilidade e tenderam a monopolizar a cena
artística. Ainda hoje, num momento em que assistimos ao ressurgimento do
interesse pela pintura, o termo poderá considerar-se desajustado por não
corresponder às condições de uma prática pictórica que se quer renovada, dinâmica,
expandida, híbrida, ou seja, em diálogo com outras linguagens mais associadas à
contemporaneidade artística.
Todavia,
reafirmo: Arlindo Silva é um pintor. Começou a expor colectivamente em 2000 e, desde
essa altura, oseu percurso tem sido reconhecido, independentemente do movimento
de "ressurgimento da pintura". O seu trabalho não corresponde aos
gestos mais convencionais da linguagem pictórica nem aos estilos da pintura
in contemporânea, largamente agenciados em catálogos de exposições, mas
também nos vários livros que contribuíram para definir e legitimar a situação
actual deste género artístico. A sua pintura não é abstracta, nem decorativa, não
apresenta superfícies sedutoras, não explora as relações entre a pintura e as
novas tecnologias, o design; nem sequer partilha as características das
principais correntes da nova pintura figurativa, das abordagens
neoconceptuais, neokitsch, neo-bad painting... Concluindo, a sua obra é independente
das modas do momento e da excitação que acompanha a emergência da novidade
mais recente.
Num tempo em
que vivemos fascinados pelo poder da imagem construída e de imagens de superfície,
em que a beleza, a perfeição, a uniformidade regem a cultural visual, Arlindo
Silva produz pinturas com significado, construindo um trabalho baseado na
representação de estados do ser. Na sua mais recente série de pinturas,
"Noites Bravas", apresentada no espaço Piso Zero da Galeria MCO, ele
questiona a cultura do parecer, o processo de normalização dos comportamentos,
estabelecendo um paradigma de actuação que valoriza a naturalidade e a
autenticidade. O seu tema são os que lhe estão próximos, são os amigos, os
momentos biográficos da vida privada, os interiores familiares que revisita
através de imagens conhecidas, construindo quadros vivos. Sendo um observador
atento, transmite-nos uma experiência directa, baseada na relação que mantém
com os modelos, e introduz-nos na realidade, na vida, comunicando um sentimento
de cumplicidade que é o resultado de vivências afectivamente partilhadas entre
o artista e o retratado. Revela comportamentos e gestos de interacção informal
entre pessoas, primeiramente captados pela máquina fotográfica,
transportando-nos para uma zona de contacto social privado. Podemos não
conhecer aquelas pessoas, não testemunhámos as situações vivenciadas, já que
pertencem ao património pessoal de memórias afectivas, todavia o seu registo
vivo vem potenciar o envolvimento e a empáfia do espectador. Entre os seus
"retratos" humanos, não encontramos a representação de figuras históricas
ou populares, com as suas poses oficiais, muito estudadas e cuidadas, tão só
pessoas comuns, nos seus momentos lúdicos, próprios de "noites
bravas", corpos e rostos expressivos, sem compostura. Daí a intensidade da
sua pintura.